Rendição ao demônio

Cláudia Fonseca

como foi que de repente o mar ficou tão pequeno aos meus olhos?
sentada na areia, admiro beleza
de um lado a outro da costa. e o que antes parecia horizonte
infinito em possibilidades
se tornou pequeno fragmento de oceano além
desconhecido.

sonhei ser a esposa do diabo. uma potência apavorante
com sua força de puro instinto. fazendo de mim noiva assustada
mas incapaz de ser submissa
ao incompreensível. minha negação fez aquela fúria querer
me dominar. foi então que, em vez de tentar me desvencilhar
eu me rendi.

e em minha rendição me libertei
para ser a consorte do diabo. que aceita
por breve momento
ser venerada no altar do inferno. apenas para
ao fim do ritual
me sentir apropriada de um poder
que me impulsiona a ir
onde eu quiser.

mesmo que esse lugar seja o de quem se abre
para fechar os olhos,
sentir,
respirar
esperar.
acolher e nutrir. entregar.
mais uma vez em rendição à tudo aquilo que
agora reconheço, não posso controlar.

aceitar que aquele mar encolhido
[mesmo em sua pequenez diante o oceano
diante o meu olhar
diante o meu sentir]
continua imenso. se meu intento for cruzar
à nado
com meu frágil corpo de mulher
de uma ponta a outra.

mas e se eu quiser voar
sobre a maré? tudo se resume
a como me posiciono em relação
às águas. feito gaivota, que caminha sobre a terra
e não teme mergulhar em busca do próprio
alimento.

sentada na areia eu me abandono às perspectivas
que apenas me confundem. se eu buscar racionalizar
em vez de sentir. sentada na janela de minha sala
enquanto escrevo
mais uma vez eu busco sentir
em vez de pensar.

e simplesmente aceito…

sucumbi ao matrimônio
com o demônio. feito serva do divino
que tudo cria
me submeto
deixo a vida passar.
dentro de mim.

* Texto escrito pela terapeuta e artista plástica Cláudia de Sousa Fonseca
* Performance artística realizada por Cláudia de Sousa Fonseca registrada pelo fotógrafo @j.r.f.r.a.n.c.o para o projeto @body.projection

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